abril 18, 2007

Um conto mofado

Mais um dia se passa e é nesse intervalo entre a sessão da tarde e a novela das oito que eu quero morrer.
A faca tá longe, o uísque tá mais. Então eu acendo um cigarro, levanto, acabo com o uísque, e depois eu pego a faca e acabo comigo.
Um cigarro, dois cigarros, três cigarros, um maço. O uísque vai ficando mais perto e mais perto. Um gole, dois goles, três goles, uma garrafa.
Então, vem a lamentação. A lamentação e a poesia barata, porque "você não podia ter feito isso comigo, não podia ter me abandonado tão perto do uísque, mas só com um maço de cigarros"
Eu até me levanto, lavo o rosto, e ainda tento ver o jornal. Aquela gente egoísta... O filho mata a mãe e acha que tem um problema maior do que o meu... Troco de roupa, vou lucidamente a padaria.
Três maços de cigarro, três não, quatro! Mais uma garrafa, e então eu vejo você saindo do trabalho. Sempre no mesmo horário; na minha hora sagrada, ou melhor, na hora maldita, de ir a padaria.
Eu paro escondida, e fico te olhando, todo engomadinho, olha para um lado, para o outro, e pega o celular... E você acha mesmo que viver é isso, casa, trabalho, ela, ou ele... Você acha mesmo que sua vida medíocre é que é a felicidade.
Escuta, meu bem, já é quase hora da novela, atravesse logo a rua e vá para casa, que é pra eu poder sair daqui sem você me ver com essa cara de ressaca. Então você se vai, como se tivesse me escutado;
Eu chego em casa e bato a porta. Tem um recado na secretária eletrônica, que podia ser seu, que todo dia eu acredito que é seu, e eu escuto aquela voz de telefonista mal-paga, mal-tratada, mal-amada, cobrando qualquer coisa que era para eu ter pagado na semana passada, ou há mais de um mês.
Então eu vejo a novela, e o cigarro vai acabando, a vodca vai quase num gole. E aquelas pessoas na TV acham que tem problemas maiores que os meus.
Assim acaba a semana, acaba o mês. Eu me lamentando enquanto bebo, bebendo enquanto fumo, e fumando enquanto me lamento...

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