outubro 09, 2011

Outra hora em outro lugar.

Dessas histórias que começam com uma moça, ou um rapaz,
não faz diferença, subindo uma ladeira, aquele ar de quem não pertence a lugar algum.
Mas não, é dessas histórias de uma moça ou um rapaz descendo uma rua que acaba lá no centro,
que se perde na multidão,
mas não, ela é a multidão.
Ainda não, a história não tem nenhum caminho descendo, nem um esforço subindo,
é a história de uma moça e de um rapaz andando na chuva, enquanto as pessoas correm para lugares cobertos, as aves se escondem em lugares que nunca vi,
e por um instante a cidade perde aquele aroma de gente que sofre.
Essa não é a história,
essa moça, esse rapaz, eles não estão andando, eles não estão na rua,
não tem caminhos, não tem chuva;

Ela sente saudade,
já ela caminha vazia,
essa é a história,
música, que não pertence àquele rapaz que sobe e desce e se molha e sofre.

Tem um jazz baixinho no fundo,
que se mistura com as vozes, com as risadas, com o piscar de olhos de alguém ao lado,
um blues, que atrapalha a leitura,
que traz alguma lembrança de algo que não viveu.
e se tivesse vivido, doeria tanto.
Mas não doi, assim como um tango não é convite a dançar,
nem tampouco o samba é convite a alegria.

Penso em pagar a conta, e sair,
mas a chuva cai lá fora,
e saindo, essa também será a história daquele rapaz subindo a ladeira,
e ela não está na história dele.
Seus olhos não se encontraram, talvez nunca se encontrem.
Seus passos, descompasso,
E de que outro forma seria? Eles não concordam sobre as coisas grandes de vida,
só compartilham a pressa,
essa pressa de vida, essa sede de ser,
essa busca desenfreada pelo que mesmo?

Esboço num papel um desenho, acompanhado de uns versos,
mais um café, um homem entra, sem importância (qualquer),
uma voz bonita, os dedos no ajuste certo para as cordas,
ela gosta da música, de sentir o que ela não sente.

Tomo para mim as coisas que não vivi, é claro,
tenho pressa, porque não vou viver tudo,
ela não vai viver tudo,
quer dizer, quem vive tudo?

Mas não, esse não era o pensamento na minha cabeça, dela, naquela hora não,
que a vida não tinha vez as três da tarde do domingo chuvoso,
primavera? sim, já começou a primavera,
revolução da alma, tempo, tempo tempo.

-oi, me empresta o isqueiro? claro,claro.
Ver a chuva na copa da árvore, tem sua beleza, não, não me incomoda ser interrompida,
não por ela, mas ela ainda não estava lá, e nem eu sabia que uma hora ela estaria lá.
Quer dizer, não estaria, nunca esteve, foi em outro lugar, em outro dia, outro tempo,
se quer era dia, verão era,
porque era um desses tempos em que o corpo nosso se torna receptivo ao ser do outro,
então podia ser inverno,
e é claro que isso não tem a menor importância,
porque houve depois outros invernos, outros verões, falsas primaveras,
e outono de reencontro.
Não eram reencontros,
eram encontros com o novo, sentindo o antigo, doído,
aquilo que move a busca que não se buscava mais.

mas àquela tarde ela ainda não havia chegado,
e meu andar continuava vazio,
e ela sentia saudade,
e aquele rapaz tinha terminado sua caminhada,
o blues cessara, antes, o primeiro,
já não era tempo de alma,

era tempo de, não, não é sobre isso a história.